Sociedade
Pedrógão Grande: “É um monumento muito pragmático, resolvendo problemas” – Arquiteto Eduardo Souto Moura
“O que precisamos é de água. Ou para as pessoas se meterem num grande tanque ou então os várias carros de bombeiros poderem abastecer”, explicou ao nosso jornal a finalidade do memorial.

O arquiteto Eduardo Souto Moura é o autor do monumento de homenagem às vítimas dos grandes incêndios de 2017, que será construído no concelho de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, no valor 1.8 milhões de euros.
O protocolo para a construção do memorial foi assinado em 2019, numa sessão que se realizou no município de Castanheira de Pera, entre a Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande (AVIPG) e a Infraestruturas de Portugal.
A obra, já públicada em Diário da República, prevê “a construção do memorial, os acessos rodoviários, que inclui uma zona de inversão de marcha para circulação proveniente de sul e renovação da paisagem marginal da EN 236-1”, de acordo com fonte oficial da IP.
Ao longo de cerca de dois quilómetros daquela estrada nacional onde morreram muitas das vítimas do incêndio de Pedrógão Grande vão ser ainda “plantadas um conjunto de diferentes espécies arbóreas autóctones”. A maioria do investimento (cerca de 1,4 milhões de euros) será aplicado na construção do memorial pensado por Eduardo Souto Moura e aprovado por unanimidade dos familiares das vítimas presentes na Assembleia Geral de março de 2019.
“Uma colaboradora minha, em Lisboa, morreu dentro do carro com os filhos”.
Assim que surgiu a ideia de criar uma obra de homenagem às vítimas dos incêndios florestais de 2017 – que inclui as vítimas de junho e outubro de 2017 – o arquiteto português, de 68 anos, ofereceu-se imediatamente.
“Uma colaboradora minha, em Lisboa, foi vítima deste incêndio [em Pedrógão Grande] e morreu dentro do carro com os filhos. Fiquei chocado e impressionado!”, contou ao Notícias de Leiria.
“O mínimo que eu poderia fazer para homenagear a minha colaboradora seria oferecer o meu trabalho nesta homenagem”, refere.
“A minha função e da arquitetura não é piorar o estado de alma mas é exatamente melhorá-la”.
Das várias soluções imaginadas pelo arquiteto, acabaria por considerar algumas “demasiado realistas e impressionantes”, sentindo a necessidade de trocar impressões com a comunidade.
Reuniu com Nádia Piazza, ex-presidente da Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande (Avipg), onde percebeu que “a comunidade estava muito traumatizada e muito impressionada”.
As ideias acabaram mesmo por ir ao encontro do esboço defendido pela Avipg, de acordo com Dina Duarte, atual presidente da Associação, em declarações ao nosso jornal.
“Abandonei todas as hipóteses mais realistas como corpos carbonizados ou carros queimados”.
“A minha função e da arquitetura não é piorar o estado de alma mas é exatamente melhorá-la” e assim “abandonei todas as hipóteses mais realistas como corpos carbonizados ou carros queimados, porque a memória estava mais que presente naquelas pessoas”, explica Souto Moura.
Depois de uma visita ao local, conhecido como a “Fonte dos Pobrais” chegando à fala com várias pessoas, o arquiteto Souto Moura conta ao Notícias de Leiria que duas coisas o impressionaram: o tanque de água que salvou 12 pessoas da morte e os eucaliptos, com 12 ou 15 metros de altura, a crescer e a pintar livremente a paisagem.
A “minha função é precaver para que algo assim não se repita.”
Rapidamente concluiu que em “uma ou duas décadas a tragédia pode voltar a acontecer”. Assim, a “minha função é precaver para que algo assim não se repita.”
“O que precisamos é de água. Ou para as pessoas se meterem num grande tanque ou então os várias carros de bombeiros poderem abastecer”, explicou ao nosso jornal.
Deixando de parte o lado evocativo, o arquiteto explica tratar-se de um “monumento muito pragmático, resolvendo problemas”.
Para criar o lago artificial, uma linha de água junto à estrada vai ser encaminhada, através de um aqueduto.
Mas “para não ser apenas uma central de bombagem”, diz em jeito engraçado o arquiteto vencedor de um Pritzker (Nobel da Arquitetura) em 2011, terá também um muro de suporte com uma fonte ao lado, dando espaço para as pessoas encherem os garrafões de água, com um banco para que se possam sentar.
“É juntar o útil ao agradável”, aponta Eduardo Souto Moura, “a placa com o nome dos mortos, o banco para as pessoas pensarem na vida e na morte e a água para os bombeiros abastecerem ou para as pessoas se meterem lá dentro”.
“Não é muito poético, mas a minha intenção é que quando se repetir, as pessoas tenham outras condições”, aponta o arquiteto.
Quanto ao valor de 1.8 milhões, ao nosso jornal, Souto Moura explica que não foi uma preocupação sua, tendo sido informado do valor apenas pelo seu advogado.
Contudo, explica que embora também tenha achado o valor alto, não se trata apenas de um monumento, mas de um investimento.
“Fazer um furo, com água permanente, uma central de bombagem, um aqueduto, a fonte que cai nesta lagoa de 70 metros de largura, um passeio à volta da lagoa”, tratando-se de várias obras ao mesmo tempo.
Também a Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande refere que, à atual direção, nunca foi “apresentado qualquer valor estimado para o Memorial”, que apenas vai surgir como “consequência da falha do Estado”, aponta a presidente Dina Duarte.
“A Vida Humana e a sua memória não têm preço”.
“Para nós, Avipg, a Vida Humana e a sua memória não têm preço, seja para os que o sucumbiram tanto em junho como em outubro, bem como os feridos que lhes sobreviveram. Respeitem-se os 118 que partiram e os seus familiares”, refere ainda ao nosso jornal Dina Duarte.
