Cinema
Ser mãe é ser imperfeita – A Filha Perdida
“A história de Leda é um relato cru do que é preciso para criar uma criança, do planeamento necessário, da ansiedade que provoca e das mudanças irreversíveis que causa na personalidade de uma mulher”.

Título: A Filha Perdida
Realizador: Maggie Gyllenhaal
Ano: 2021
Classificação Notícias de Leiria: 8/10 brisas do lis
Leda (Olivia Colman) está a passar férias numa paradisíaca ilha grega, desfrutando da praia e da tranquilidade. O seu sossego acaba com a chegada de uma família numerosa e barulhenta que, a par de meia dúzia de rudes adolescentes locais, faz despertar em Leda memórias e emoções há muito escondidas, relacionadas com as suas escolhas pouco convencionais em relação à sua família.
A longa-metragem da Netflix, que está agora nos cinemas, foi escrita e realizada por Maggie Gyllenhaal. Gyllenhaal estreia-se de forma admirável com esta adaptação do livro de Elena Ferrante, um pseudónimo, uma vez que a identidade da autora permanece secreta.
A Filha Perdida aborda temas tradicionalmente com pouca exposição no cinema, no qual a personagem “mãe” é quase sempre levada a extremos irrealistas. Ou é uma semideusa, uma santa na terra, abnegada e altruísta, sem existência para além da dos filhos, que vive automática e incondicionalmente para eles a partir do momento em que nascem; ou é a vilã egoísta, controladora, sociopata, que destrói a infância e, consequentemente, o futuro da sua prole.
Gyllenhaal encontra o meio-termo e, por isso, alcança naturalidade e veracidade no enredo e nos diálogos, fazendo-nos ficar suspensos de cada palavra. A realização, a par das excelentes representações, possibilita uma identificação rápida e espontânea com as personagens, especialmente com a protagonista (tanto na atualidade, interpretada por Colman, como no passado, representada por Jessie Buckley) e com Nina (Dakota Johnson), uma das mulheres com as quais Leda estabelece uma ligação.
O filme explora também as disparidades entre o que é esperado de um progenitor, de acordo com o seu género. O que constitui uma boa mãe ou um bom pai são juízos sociais, perante os quais os géneros não estão em pé de igualdade, exigindo-se muito mais do feminino do que do masculino.
A história de Leda é um relato cru do que é preciso para criar uma criança, do planeamento necessário, da ansiedade que provoca e das mudanças irreversíveis que causa na personalidade de uma mulher. Para a protagonista, torna-se esmagador. Ela quer recuperar a sua identidade, individualidade, expetativas e sonhos. As suas escolhas fazem dela uma má mãe aos nossos olhos e aos dela, levando-a a projetar sentimentos de culpa nos vários progenitores com os quais se cruza, reabrindo feridas que nunca desaparecerão totalmente.
